quinta-feira, 11 de maio de 2023

"Sozinha no Samurai League", por Tábita sensei

 

(imagem: Samurai League)


Reproduzimos aqui, com autorização da Tábita sensei, a versão traduzida de seu artigo, publicado originalmente em inglês no site ksperspectives.com, de Kate Sylvester, que pode ser lido aqui.


(Tradução de: Felipe Teruo)



KATE SYLVESTER PERSPECTIVES

Artigo de Convidado: “Sozinha no Samurai League” por

Tábita Wenckstern Sáez Takayama (Brasil).

Vozes e conquistas femininas são sub-representadas pelas mídias e literaturas relacionadas ao Kendo. Artigos de convidados publicados neste site compartilham experiências pessoais, perspectivas e reflexões no Kendo, escritas por mulheres.


Artigo de Convidado: Sozinha no Samurai League por Tábita Wenckstern Sáez Takayama (Brasil).

Tábita Wenckstern Sáez Takayama, 6o. Dan, começou a praticar kendo 20 anos atrás, com 20 anos de idade. Tábita atualmente vive no Japão com seu filho e marido. Ela tem sua própria empresa focada em Smart City e uma pequena empresa de impressão para artigos de Kendo, Mikamino. A ideia para o nome da empresa, que soa japonês, com significado em espanhol de “meu caminho”, veio de um dos talentosos designers com quem ela trabalha, Kimi Tumkus. Tábita representou o Chile e o Brasil no Campeonato Mundial de Kendo e venceu uma série de títulos de prestígio no Kendo. Tábita é uma das técnicas da muito bem-sucedida Seleção Brasileira Feminina de Kendo e também foca suas energias no desenvolvimento do Kendo na América Latina.



Sozinha no Samurai League

Este ano em agosto, completarei 20 anos de kendo. Minhas irmãs praticavam antes de mim e quando eu fui assistir as aulas delas eu vi pessoas mais velhas treinando com pessoas jovens e isso me impressionou bastante, por isso comecei a treinar. Eu queria ser capaz de treinar algo com que eu pudesse me divertir e ao mesmo tempo fazer vários amigos quando fosse mais velha.

Antes do kendo eu praticava outras artes marciais de forma competitiva devido ao incentivo da escola e por causa disso eu desenvolvi um corpo muito forte. Porque eu tinha força física e energia, a parte competitiva chamou minha atenção, conforme meu corpo começou a assimilar os movimentos de uma forma mais natural. Estatisticamente, em todo país latinoamericano, há poucas mulheres que praticam, então, aquelas que são mais dedicadas tendem naturalmente a querer se juntar à seleção nacional de kendo.

Minha família se mudou do Chile para o Brasil devido à ditadura militar que estava acontecendo na época. Ainda assim, nossas raízes culturais foram mantidas pela minha mãe. Mesmo com todas as dificuldades de uma família imigrante, nós mantivemos o espanhol como o nosso vínculo com o país que nós deixamos. Eu tenho um sotaque diferente, mas ainda com uma forte marca do país que nasci e por causa dessa afeição eu queria representar o Chile, quando eu ganhei o mínimo de qualidade técnica, para participar em meu primeiro Campeonato Mundial de Kendo, em 2009. Mesmo eu tendo nascido no Chile, algumas pessoas não me consideravam chilena, mas graças ao amor e afeição do grupo de mulheres chilenas do kendo que me acolheu como se eu fosse da família, me senti em casa novamente. Até hoje essa união existe e a conexão é muito forte.


Foto: Seleção do Chile com seleção do Japão no WKC 2009


Os anos passaram e o kendo também me trouxe a oportunidade de formar minha família, porque conheci o Alberto Takayama durante os treinamentos para a Seleção Brasileira, que atualmente é meu marido e temos um filho de 3 anos. Entender que minha família seria formada no Brasil, seria também o momento de considerar representar o país que me acolheu em um momento difícil para minha família.

O grupo feminino brasileiro é sem dúvida um dos mais fortes do mundo, tendo ganhado títulos na categoria por equipe desde 1997 (2o. lugar no WKC 2000 e 3o. Lugar em 2009, 2012 e 2015) e no individual (M. Onaka, 2o. Lugar [categoria 2o. Dan e abaixo] em 1997 e E. Takashima, 3o. Lugar em 2009). Eu sabia que ganhar uma vaga nesse grupo seria um grande desafio, pois não era descendente de japoneses e tinha começado o kendo apenas aos 20 anos. Mas eu sempre gostei de desafios. Eu fui selecionada para representar o Brasil para o WKC 2015 no Japão e para o WKC 2018 na Coréia.


Foto: Seleções do Brasil e do Chile no WKC 2015


Eu percebi que não adiantava apenas querer entrar em um grupo, mas também que era importante alcançar coisas por meu próprio mérito. Quando eu ganhei o Campeonato Brasileiro em 2013, chorei emocionada porque minhas adversárias tinham treinado desde criança e eu tinha começado o kendo quando tinha 20 anos. Muitos professores me disseram que eu nunca seria forte. Depois disso, eu aprendi a conter minhas emoções, porque não era apropriado e eu pude ser mais discreta mesmo quando ganhei o título de Campeã Latinoamericana em 2017. Mas eu acho que tudo me preparou para os meus 3 anos no Japão, quando consegui ser campeã do distrito Bunkyo-ku em Tóquio, em 2021. Nem mesmo nos meus melhores sonhos eu poderia imaginar algo assim, mas no dia eu consegui me manter calma e respeitosa e isso me trouxe amigos e respeito da comunidade.


Foto: Campeonato Bunkyo-ku no Japão em 2021


Pela minha experiência, competidoras japonesas de kendo são admiráveis, pessoas amáveis e muito felizes por treinar kendo. A paixão com que continuam, mesmo com idade avançada e com muitas responsabilidades, me inspira diariamente. Graças ao suporte dessas mulheres eu fui capaz de passar em meu exame de 6o. dan em Quioto, juntamente com meu marido que passou para o 7o. Dan. A revista Kendo Nippon Magazine do mês passado falou de nossa árdua e também divertida jornada para passar nos exames.


Foto: Artigo da Kendo Nippon


Fazer amigos, especialmente com mulheres no kendo, tem sido muito significativo para mim. Quando eu era jovem eu pensava que mulheres eram competitivas, mas com o passar do tempo eu percebi que mulheres fortes se admiram e também se atraem. Foi assim que desenvolvi uma bonita amizade com Miwa Onaka e hoje nós lideramos a Seleção Brasileira Feminina, como técnicas. Eu também conheci grupos de mulheres admiráveis no México, Equador, Argentina, Perú, Panamá e em toda América Latina. Sem falar no maravilhoso kendo feminino no Canadá e Estados Unidos. Eu viajei bastante para treinar e conhecer mulheres maravilhosas do meu continente.


Foto: Tábita e Miwa Onaka


Eu me lembro uma vez quando eu era uma criança imigrante sem conhecer meu lugar no mundo e o kendo me deu um senso de pertencimento, para entender que eu sou parte de um continente forte, cheio de mulheres fantásticas. De repente eu comecei a resgatar meu objetivo inicial, que é treinar para me tornar forte para poder treinar com jovens e ter muitos amigos. E coincidentemente, isso é o que eu venho fazendo, fazendo amigos por todo o mundo.

Nessa minha nova jornada, para começar a treinar novamente para o próximo Campeonato Mundial na Itália (que espero será o último!), retornei a competir com vigor novamente e, portanto, decidi aceitar o desafio de participar no Campeonato Samurai League, como integrante da Seleção Internacional. E qual não foi a minha surpresa quando eu percebi que eu seria a única mulher competindo e que nossa equipe também tinha a única técnica mulher, Mariko Sato.

Graças a essa experiência, Kate Sylvester me convidou para falar sobre isso e eu a agradeço imensamente pelo interesse e incansável desejo de lançar luz ao papel das mulheres no kendo.

Primeiro irei compartilhar aqui o discurso de Mariko Sato:
“Eu não esperava ser técnica desta vez. Eu estava preocupada de que poderia não ser capaz de solicitar corretamente a confirmação por vídeo, porque a velocidade do Jitsugyodan kenshi é muito rápida. Mas como resultado, senti que foi uma boa coisa que Tábita san e eu fomos incluídas. Porque nos foram feitas perguntas de um ponto de vista “feminino” e o fato de que estávamos ambas no campeonato, impediu que fosse um campeonato 100% masculino. Mulheres são proporcionalmente sub-representadas no mundo do kendo, mas eu acho que a inclusão de duas de nós ajudou a chamar a atenção. No futuro, Miyahara-san da RF Technica (fundador da Samurai League), disse que ele está pensando em ter uma equipe mista feminino/masculino para que mulheres possam competir contra outras mulheres.”

Foto: Equipes do Samurai League. Mariko Sato e Tábita (à direita)

Quanto a mim, posso garantir que foi uma experiência extraordinária e ao mesmo tempo muito divertida. Quando eu cheguei à arena eu notei que todos estavam me encarando. De repente isso começou a me incomodar, eu olhei para minhas roupas para ver se eu estava suja ou se tinha algo no meu rosto, mas não demorou muito para eu perceber que eu era a única mulher que iria lutar, no evento todo.

Santiago Farias, um grande atleta da Argentina, me disse que eu era como a Mulan. Nós até queríamos começar a cantar a famosa música da animação “I’ll Make a Man Out of You (Vou fazer de você um homem)”, mas logo eu percebi que eu não estava fingindo ser um homem, mas era uma mulher que iria lutar como uma mulher.

Quando eu comecei a assistir as lutas percebi que o mais alto nível do kendo japonês estava sendo representado lá e de repente todos olharam para mim e me disseram quão corajosa eu era. Quando foi minha vez eu senti medo, não posso negar. Mas com medo de quê? Eu perdi por 2 legítimos ippons, mas apesar de serem atrasados, meus contra-ataques acertaram perfeitamente e estou feliz que eu não estava submissa à disputa. Meu oponente era muito forte e habilidoso e ele venceu porque era superior e isso é kendo. Mas a experiência levantou algumas questões para se refletir a respeito.



Link do vídeo: Tábita competindo no Campeonato Samurai League


Eu sinto que quando faço keiko contra homens fortes, eles nunca mostram sua verdadeira capacidade, talvez até instintivamente eles considerem mulheres como “crianças”. Entretanto, quando homens de alto nível competem, eles mostram seu verdadeiro kendo e eu penso que seria maravilhoso se fosse assim o tempo todo, porque a habilidade das mulheres melhoraria e seria mais adaptada à realidade do kendo de alta qualidade.

Mesmo que os homens com quem competi fossem fisicamente poderosos, eu nunca me senti com medo de me machucar. Eu sinto que o kendo está evoluindo mais e mais para se tornar mais eficiente e limpo. Eu acho que se os homens podem aprender e executar esse kendo bonito, como foi visto no Samurai League, então eles não precisam ficar com medo de mostrar todo seu potencial quando lutando com mulheres. Isso só fará ambos os lados mais fortes. Eu acredito que treinar com mulheres, de maneira não intencional, de forma mais fácil, é como sabotar o desenvolvimento do kendo feminino, mesmo que seja feito com “boa intenção.”

Acredito que uma categoria oficial de kendo mista é possível no futuro. Seria divertido e poderia certamente levar o kendo para um nível mais alto do que já está. Talvez o Samurai League seja o caminho e foi um campeonato que ganhou o meu respeito nesse sentido.

Deixarei vocês agora com uma citação impressionante. Durante a pandemia o Equador entrevistou muitas pessoas da América Latina sobre kendo e foi perguntado para a Miwa Onaka:

“Você acha que kendo é para mulheres?”

E ela respondeu:

“Sim, eu acredito que kendo foi na verdade feito para mulheres.”


Clique aqui para ver a entrevista


Todas as fotos neste artigo foram fornecidas por Tábita Wenckstern Sáez Takayama