Nem sempre um praticante de arte
marcial tem o interesse em saber mais a fundo sobre a história da arte ou
estilo que pratica e quando tem, nem sempre se depara com informações corretas
a respeito. Por isso, tentaremos trazer algumas reflexões sobre o assunto, a
fim de aclarar para os que buscam maior entendimento, em especial sobre as
artes samurais.
O Budô (武道), termo em japonês para artes
marciais, que significa “caminho marcial”, é dividido historicamente
entre Kobudô e Gendai budô, sendo o marco de separação
o início da Era Meiji, em 1868, quando ocorre a extinção da classe samurai.
Desta forma, convenciona-se a denominação de Kobudô para as
escolas que foram criadas antes desta data, onde Ko (古) significa “antigo”. E Gendai Budô para as escolas
criadas após essa data, significando Gendai (現代) “era moderna”.
As escolas de Kobudô,
denominadas também Koryu (古流), são escolas que
foram fundadas por samurais após muitos combates e estudos, arriscando suas
vidas no processo e que de forma empírica buscaram o aprimoramento técnico e
espiritual para a criação de suas escolas. Onde também se constata em muitas
delas a iluminação e uma pitada de inspiração divina para tal.
No entanto, vê-se facilmente o uso
genérico de termos, que são para denominar escolas de Koryu,
como kenjutsu (剣術) e iaijutsu (居合術) – “arte da espada” e
"arte de desembainhar a espada”, respectivamente - para definir algo “criado”
em dias atuais, ou ainda pior, visivelmente cópia parcial, ou até integral de
escolas antigas tradicionais, com pequenas alterações ou misturadas entre si.
Enquanto que ao nos deparamos com um estilo clássico autêntico, veremos o uso destes
termos juntamente com o nome do estilo, como por exemplo: Bokuden Ryu
Kenjutsu ou Shinkage Ryu Iaijutsu, e sendo suas origens e história documentadas.
É importante então ressaltar que, em se
tratando de artes que se utilizam de armas mais especificamente, não faz nenhum
sentido em tempos atuais, alguém se dizer criador de um estilo de arte de
espada. Isso é algo equivocado, simplesmente pelo fato de que o combate real
com espadas não é algo presente em nossos dias e o processo empírico não é
possível.
É fato que a espada japonesa é algo que fascina e atrai muitos que admiram a cultura e história japonesas, em especial a figura do guerreiro samurai e as diversas artes combativas que o rodeiam. Sendo assim, temos alguns desses entusiastas que acabam embarcando nessa ideia de criar suas próprias “técnicas” de espada, e aí temos diversos perfis diferentes.
Há quem simplesmente “brinque” com espadas, leigos que compram espadas e copiam coisas que veem na internet, filmes, animes, etc. O que é muito perigoso e não recomendado, pois ao não se ter conhecimento técnico sobre espadas e seu manuseio, há sérios riscos para essa pessoa e os seus. Há vários tipos de espadas diferentes para usos diferentes, então, é muito arriscado uma espada de enfeite, uma afiada, ou até mesmo uma própria para treino, nas mãos de alguém sem o devido conhecimento.
Existe também em alguns países uma
prática performática, com armas tradicionais japonesas (ou inspiradas nelas),
se tratando de uma apresentação solo com bastante habilidade acrobática por
parte dos participantes, com piruetas e até arremessos das armas das formas
mais criativas, mas que nada tem a ver com artes tradicionais. Enfim, uma
prática que talvez se assemelhe ao citado anteriormente.
Vemos ainda práticas que se utilizam de
indumentárias de proteção e espadas não metálicas, visando o combate
livre, com golpes atingindo as áreas protegidas. Muitas vezes usando
equipamentos oriundos de artes marciais tradicionais, ou adaptadas das
mais diversas formas. Também, sem que haja efetivamente uma conexão com escolas
tradicionais.
E temos uma boa parcela de pessoas que
se aventuram na “invenção” de sua própria “arte de espada”, sendo possuidor de
certo conhecimento em alguma arte marcial, seja ela com prática de espada, ou
não. E isso de certa forma é visto por muitos como uma coisa normal e válida,
quando na verdade não deveria ser. Criar algo novo, continua sendo equivocado
mesmo nesse cenário.
E esse último é o caso que mais
confunde as pessoas, no sentido de passar a impressão de ser algo clássico,
tradicional, quando na verdade se trata de algo oposto, sem compromisso com
estilos antigos. Uma arte de espada, como a que estamos nos referindo, tem uma
trajetória de transmissão que visa preservar o estilo, suas técnicas e
filosofia, mantendo assim geração após geração os ensinamentos originais do
criador. São ambientes muito distintos. Ao se treinar algo que possui uma raiz
histórica, se fica imbuído de pensamento de conservação, de manutenção e
transmissão desse estilo e não de inovação, criação ou mutação.
Além disso, para se compreender por
completo um estilo tradicional que se elege para praticar, é preciso uma vida
dedicada a isso, estudo aprofundado que só é possível com muito afinco e
compromisso, por isso é fundamental que haja essa visão por parte do praticante.
Querer estudar apenas fragmentos de uma escola, ou de várias escolas, não irá
levar ao conhecimento pleno de nenhuma delas e sim apenas a algo superficial,
que com o passar dos anos se revelará uma ilusão e perda de tempo.
Vale mencionar as artes ligadas à Zen Nihon Kendo Renmei (ZNKR), também conhecida como All Japan Kendo Federation (AJKF), que é a federação japonesa responsável pelas artes do Kendô, Iaidô e Jodô, que em artigo próximo detalharemos sua origem e importância para o Budô japonês. Atualmente, são artes praticadas em escala global, unindo budokas do mundo todo, que muitas vezes treinam de forma exclusiva estas artes, ou de maneira conjunta com estilos tradicionais de Kenjutsu, Iaijutsu e Jojutsu.
Esperamos que este breve texto tenha
servido para trazer luz a alguns aspectos relacionados às artes marciais tradicionais.
E que assim, por mais mal-intencionado e astuto que alguém possa ser, não
consiga ludibriar pessoas que buscam treinar algo autêntico.
Dja mata ne!